sábado, 8 de agosto de 2015

O Cisma do Oriente

No século XI um conflito de interesses entre a Igreja Católica do Ocidente e a do Oriente determinou a divisão do catolicismo, evento este conhecido historicamente como o “Cisma do Oriente”. O evento estabeleceu o rompimento das duas vertentes de católicos, ambos os lados passaram a defender suas próprias doutrinas, o que persiste até hoje.

1. A existência de duas Igrejas

Desde o Império Romano e durante a Idade Média a Igreja Católica possuía duas sedes principais, uma localizada em Roma, no Ocidente, e outra na cidade de Constantinopla, no Oriente. Ainda durante o poderio do Império Romano ficou estabelecido e acordado entre as duas partes da Igreja que a capital do Império seria Roma. Mesmo a Igreja do Oriente concordando com a decisão, havia certo ressentimento por conta de algumas exigências jurídicas que os papas insistiam em fazer. 

Ao longo dos séculos as duas Igrejas cultivaram desigualdades culturais e políticas que através de vários enfrentamentos chegaram a causar a divisão do próprio Império Romano entre Ocidental e Oriental, como aconteceu no século IV.

Diferenças políticas
A situação política distinta no leste e no oeste fez com que a Igreja assumisse formas externas diferentes, de modo que gradativamente passou-se a pensar na hierarquia da Igreja de maneira conflitante. Desde o começo tinha havido uma ênfase quanto a isto no oriente e no ocidente. No oriente havia muitas igrejas cuja base remontava aos apóstolos; havia um forte sentido de igualdade entre todos os bispos quanto a natureza conciliar e colegial da Igreja.

O Oriente reconhecia o Papa primeiro entre iguais. No ocidente, por outro lado, havia só uma grande sé que reivindicava para si a sucessão apostólica - Roma - donde passou a ser vista como a sé apostólica. O ocidente, mesmo aceitando as decisões dos Concílios Ecumênicos, não tinha um papel muito ativo nos mesmos. A Igreja era vista mais como uma monarquia - a do Papa - do que como um colegiado.

Com as invasões bárbaras e a consequente queda do império no ocidente serviram para tornar mais forte a estrutura autocrática da Igreja ocidental. O Papa assumiu um poder centralizador, um monarca absolutista a fim de manter a unidade da Igreja.

No oriente havia um chefe secular muito poderoso - o imperador - para manter a ordem e fazer cumprir a lei. Com isto, os patriarcas orientais, não foram chamados a desempenhar um papel semelhante ao Papa de Roma.

Influências culturais distintas

Situações culturais, fizeram com que as duas Igrejas desenvolvessem suas características próprias, no Ocidente as invasões bárbaras marcaram uma nova fase, gerando uma nova estruturação a partir do fim do Império Romano. Enquanto isso, no Oriente as tradições do mundo clássico permaneceram presentes na sociedade e na Igreja cultivando a cristandade helenística. A Igreja do Ocidente teve muito contato com a influência e presença dos povos germanos, já a Igreja do Oriente carregou a tradição e o rito grego e influência árabe e integrou especialmente o Império Bizantino.

As relações entre os dois lados estavam dificultadas por não falarem uma língua em comum. Praticamente nenhum lado conhecia a a língua do outro. No ano de 450, haviam poucos ocidentais que sabiam ler em grego. No ano de 600, embora Bizâncio se intitulasse Império Romano, era raro algum bizantino saber ler em latim, língua dos romanos. Os rituais das missas eram influenciados, por sua vez, pela cultura em que estevam inseridas: 
a) Igreja oriental: seguia o rito oriental grego, com costumes língua e influência dos povos árabes; 
b) Igreja ocidental: seguia o rito ocidental latino, com seus costumes e língua e influência dos povos germanos. 

2. Divergências doutrinárias
As desavenças existentes entre as Igrejas de Roma e de Constantinopla geraram vários conflitos teológicos.

Filioqüe 
Ainda durante o Império Romano, o patriarca Fócio condenou a inclusão do filioqüe no Credo da Cristandade Ocidental sob a acusação de heresia. A disputa envolvia os termos sobre o Espírito Santo no Credo de Nicéia/Constantinopla.Originalmente o credo dizia "Eu creio no Espírito Senhor e fonte de vida, que procede do Pai, e com o Pai e o Filho recebe a mesma adoração e a mesma gloria." Esta, que é a forma original, é recitada sem modificações no Oriente até hoje. Mas o Ocidente acrescentou uma frase extra "e do Filho" (em latim "filioqüe") tanto que seu credo agora diz "que procede do Pai e do filho"[1].

A atitude que envolvia as questões disciplinares e litúrgicas da Igreja foram responsáveis por uma grave e primeira ruptura que ocorreu entre Ocidente e Oriente Católicos entre os anos de 456 e 867.

Monofisismo
O Patriarca de Alexandria, Dióscoro, desenvolveu o monofisismo, formulação teológica condenada pela Igreja sediada em Roma. Os monofistas defendiam a unidade divina, se opondo a Santíssima Trindade, defendida pela Igreja de Roma. Desencadearam-se então movimentos de perseguição aos monofisistas, protegidos, no entanto, pela esposa de Justiniano, a Imperatriz Teodora. 

Iconoclastas
Os iconoclastas se fundamentavam no antigo testamento e com crenças orientais, não admitiam a adoração de imagens nas igrejas, chegando a organizar manifestações populares cujo objetivo era a destruição dessas representações existentes nos templos bizantinos.

Autoridade e infalibilidade papal

Até o ano de 350 Roma e o Oriente evitaram um conflito aberto quanto a primazia e a infalibilidade do Papa. A partir de então, questões foram levantadas na infalibilidade do Papa de Roma e os patriarcas orientais não aceitavam de bom grado as ordens romanas. 

Cesaropapismo
Diante das tensões teológicas, os imperadores passaram a intervir nos assuntos da Igreja, submetendo-a ao seu poder absoluto. O cesaropapismo, no qual o chefe do estado exercia controle também sobre a Igreja. 
O cesaropapismo, de Justiniano, que inclusive muito marcou o Império Bizantino, gerava distúrbios na ordem e insatisfação da população, já indignada com a cobrança abusiva de impostos. Em 532, estourava a Revolta de Nika, sufocada completamente pelo general Belisário após oito dias.

Celibato e eucaristia

Os ortodoxos admitiam o casamento para membros do clero, os romanos insistiam no celibato clerical. Quanto a eucaristia, os ortodoxos usavam pão fermentado na eucaristia, os romanos pão não fermentado ou "ázimo."
3. O Cisma
A Igreja Ocidental impunha suas exigências sobre a Igreja Oriental. Tais exigências foram mais marcantes durante o papado de Leão IX que durou de 1048 até 1054, sendo que seus seguidores preferiram por continuar com suas determinações. A Igreja do Ocidente se opunha também ao sistema adotado no Oriente de cesaropapismo bizantino, que consistia na subordinação da Igreja Oriental a um chefe secular. 
No ano de 1043 assumiu a Igreja Bizantina o patriarca Miguel Cerulário, sob sua liderança foi desenvolvida uma campanha que pregava contra as Igrejas Latinas na cidade de Constantinopla. O combate proposto pelo novo patriarca envolvia questões teológicas que versavam sobre o Espírito Santo.

Anos mais tarde, em 1054, Roma providenciou o envio do Cardeal Humberto à Constantinopla para tentar entender a crise e solucionar o problema. Entretanto a crise entre os cristãos já havia tomado lugar. Como resultado da discussão o Cardeal Humberto decidiu por entregar a Bula papal de excomunhão, na Igreja de Santa Sophia ao patriarca Miguel Cerulário.

O ato do Cardeal foi entendido como extensivo a toda a Igreja Bizantina, que por sua vez reagiu excomungando o papa Leão IX. Configurava-se o Cisma do Oriente, também chamado de O Grande Cisma do Oriente, que daria origem à Igreja Ortodoxa, no Oriente, e a Igreja Católica Apostólica Romana, no Ocidente.

Tentativas de reunificação
Várias foram as tentativas de reunificar a Igreja, dentre as quais cabe destacar os Concílios Ecumênicos de Lyon em 1274 e de Florença em 1439. Por alguns momentos as duas Igrejas estiveram reunidas novamente, mas sempre por muito pouco tempo. A separação fez com que a cidade de Constantinopla fosse tomada pelos otomanos em 1453 resultando na dominação do Império Bizantino por muito tempo.
Somente no dia 7 de dezembro de 1965 que o papa Paulo VI e o patriarca Atenágoras I tentaram aproximar as duas Igrejas novamente levantando a questão das excomunhões, que por sua vez foram retiradas no ano seguinte por ambas as Igrejas. As duas partes retomaram os diálogos tentando de alguma forma sanar o Cisma.

Na prática os ortodoxos seguem sacramentos típicos da Igreja Ocidental, mas não acreditam na existência do purgatório ou na infalibilidade do papa. Trata-se de uma outra corrente religiosa dentro do cristianismo e dentro do próprio catolicismo,
Como consequência disto, os cristãos orientais deixaram de reconhecer o poder papal em 1054, e fundaram a Igreja católica Ortodoxa.






[1] Não é certo quando e onde este acréscimo foi feito primeiro, mas parece que se originou na Espanha, como uma defesa contra o arianismo. De qualquer modo a igreja espanhola inseriu o filioqüe no credo no terceiro Concílio de Toledo (589), se não antes. Da Espanha o filioqüe espalhou-se para a França, e dai para a Alemanha, onde foi bem recebido por Carlos Magno e adotado pelo concílio semi-iconoclasta de Frankfurth (794). Teriam sido escritores na corte de Carlos Magno que primeiro fizeram com que o filioqüe passasse a ser um assunto controvertido, acusando os bizantinos de heréticos por recitarem o credo em sua forma original. Mas Roma, com seu conservadorismo típico, continuou a usar o credo sem o filioqüe até o começo do século XI. Em 808 o Papa Leão III escreve numa carta para Carlos Magno, que embora ele mesmo achasse que o filioqüe procedia em termos doutrinais, ele considerava errado interferir nos termos do credo. Deliberadamente mandou inscrever o credo em placas de prata - sem o filioqüe - e as colocou na igreja de São Pedro. Até segunda ordem, Roma agiria como mediadora entre a Alemanha e Bizâncio.



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