O Cisma do Oriente
No século XI um conflito de interesses entre a Igreja Católica do
Ocidente e a do Oriente determinou a divisão do catolicismo, evento este
conhecido historicamente como o “Cisma do Oriente”. O evento estabeleceu o
rompimento das duas vertentes de católicos, ambos os lados passaram a defender
suas próprias doutrinas, o que persiste até hoje.
1. A
existência de duas Igrejas
Desde o Império Romano e durante a Idade Média a Igreja Católica possuía
duas sedes principais, uma localizada em Roma, no Ocidente, e outra na cidade
de Constantinopla, no Oriente. Ainda durante o poderio do Império Romano ficou
estabelecido e acordado entre as duas partes da Igreja que a capital do Império
seria Roma. Mesmo a
Igreja do Oriente concordando com a decisão, havia certo ressentimento por
conta de algumas exigências jurídicas que os papas insistiam em fazer.
Ao longo dos séculos as duas Igrejas cultivaram desigualdades culturais
e políticas que através de vários enfrentamentos chegaram a causar a divisão do
próprio Império Romano entre Ocidental e Oriental, como aconteceu no século IV.
Diferenças políticas
A
situação política distinta no leste e no oeste fez com que a Igreja assumisse
formas externas diferentes, de modo que gradativamente passou-se a pensar na
hierarquia da Igreja de maneira conflitante. Desde o começo tinha havido uma
ênfase quanto a isto no oriente e no ocidente. No oriente havia muitas igrejas
cuja base remontava aos apóstolos; havia um forte sentido de igualdade entre
todos os bispos quanto a natureza conciliar e colegial da Igreja.
O Oriente
reconhecia o Papa primeiro entre iguais. No ocidente, por outro lado, havia só
uma grande sé que reivindicava para si a sucessão apostólica - Roma - donde
passou a ser vista como a sé apostólica. O ocidente, mesmo aceitando as
decisões dos Concílios Ecumênicos, não tinha um papel muito ativo nos mesmos. A
Igreja era vista mais como uma monarquia - a do Papa - do que como um
colegiado.
Com as
invasões bárbaras e a consequente queda do império no ocidente serviram para
tornar mais forte a estrutura autocrática da Igreja ocidental. O Papa assumiu
um poder centralizador, um monarca absolutista a fim de manter a unidade da
Igreja.
No
oriente havia um chefe secular muito poderoso - o imperador - para manter a
ordem e fazer cumprir a lei. Com isto, os patriarcas orientais, não foram
chamados a desempenhar um papel semelhante ao Papa de Roma.
Influências culturais distintas
Situações culturais, fizeram com que as duas Igrejas desenvolvessem suas
características próprias, no Ocidente as invasões bárbaras marcaram uma nova
fase, gerando uma nova estruturação a partir do fim do Império Romano. Enquanto
isso, no Oriente as tradições do mundo clássico permaneceram presentes na
sociedade e na Igreja cultivando a cristandade helenística. A Igreja do
Ocidente teve muito contato com a influência e presença dos povos germanos, já
a Igreja do Oriente carregou a tradição e o rito grego e influência árabe e
integrou especialmente o Império Bizantino.
As relações entre os dois lados estavam
dificultadas por não falarem uma língua em comum.
Praticamente nenhum lado conhecia a a língua do outro. No ano de 450,
haviam poucos ocidentais que sabiam ler em grego. No ano de 600,
embora Bizâncio se intitulasse Império Romano, era raro algum bizantino
saber ler em latim, língua dos romanos. Os rituais das missas eram influenciados,
por sua vez, pela cultura em que estevam inseridas:
a) Igreja oriental: seguia o rito oriental grego, com
costumes língua e influência dos povos árabes;
b)
Igreja ocidental: seguia
o rito ocidental latino, com seus costumes e língua e influência dos
povos germanos.
2. Divergências doutrinárias
As desavenças existentes entre as Igrejas de Roma e de Constantinopla
geraram vários conflitos teológicos.
Filioqüe
Ainda durante o Império Romano, o patriarca Fócio condenou a inclusão do
filioqüe no Credo da Cristandade Ocidental sob a acusação de heresia. A disputa
envolvia os termos sobre o Espírito Santo no Credo de
Nicéia/Constantinopla.Originalmente o credo dizia "Eu creio no Espírito
Senhor e fonte de vida, que procede do Pai, e com o Pai e o Filho recebe a
mesma adoração e a mesma gloria." Esta, que é a forma original, é recitada
sem modificações no Oriente até hoje. Mas o Ocidente acrescentou uma frase
extra "e do Filho" (em latim "filioqüe") tanto que seu
credo agora diz "que procede do Pai e do filho"[1].
A atitude que envolvia as questões
disciplinares e litúrgicas da Igreja foram responsáveis por uma grave e
primeira ruptura que ocorreu entre Ocidente e Oriente Católicos entre os anos
de 456 e 867.
Monofisismo
O Patriarca de Alexandria,
Dióscoro, desenvolveu o monofisismo, formulação teológica condenada pela
Igreja sediada em Roma. Os monofistas defendiam a unidade divina, se opondo a
Santíssima Trindade, defendida pela Igreja de Roma. Desencadearam-se então movimentos
de perseguição aos monofisistas, protegidos, no entanto, pela esposa de
Justiniano, a Imperatriz Teodora.
Iconoclastas
Os iconoclastas se fundamentavam no antigo testamento e com crenças
orientais, não admitiam a adoração de imagens nas igrejas, chegando a organizar
manifestações populares cujo objetivo era a destruição dessas representações
existentes nos templos bizantinos.
Autoridade e infalibilidade papal
Até o ano de 350 Roma e o Oriente
evitaram um conflito aberto quanto a primazia e a infalibilidade do Papa. A
partir de então, questões foram levantadas na infalibilidade do Papa de Roma e
os patriarcas orientais não aceitavam de bom grado as ordens
romanas.
Cesaropapismo
Diante das tensões teológicas, os
imperadores passaram a intervir nos assuntos da Igreja, submetendo-a ao seu
poder absoluto. O cesaropapismo, no qual o chefe do estado exercia controle
também sobre a Igreja.
O cesaropapismo, de Justiniano, que inclusive muito marcou o Império
Bizantino, gerava distúrbios na ordem e insatisfação da população, já indignada
com a cobrança abusiva de impostos. Em 532, estourava a Revolta de Nika,
sufocada completamente pelo general Belisário após oito dias.
Celibato e eucaristia
Os ortodoxos admitiam o casamento para
membros do clero, os romanos insistiam no celibato clerical. Quanto a
eucaristia, os ortodoxos usavam pão fermentado na eucaristia, os romanos pão
não fermentado ou "ázimo."
3. O Cisma
A Igreja Ocidental impunha
suas exigências sobre a Igreja Oriental. Tais exigências foram mais marcantes
durante o papado de Leão IX que durou de 1048 até 1054, sendo que seus
seguidores preferiram por continuar com suas determinações. A Igreja do
Ocidente se opunha também ao sistema adotado no Oriente de cesaropapismo
bizantino, que consistia na subordinação da Igreja Oriental a um chefe
secular.
No ano de 1043 assumiu a Igreja Bizantina o
patriarca Miguel Cerulário, sob sua liderança foi desenvolvida uma campanha que
pregava contra as Igrejas Latinas na cidade de Constantinopla. O combate
proposto pelo novo patriarca envolvia questões teológicas que versavam sobre o
Espírito Santo.
Anos mais tarde, em 1054, Roma providenciou o envio
do Cardeal Humberto à Constantinopla para tentar entender a crise e solucionar
o problema. Entretanto a crise entre os cristãos já havia tomado lugar. Como
resultado da discussão o Cardeal Humberto decidiu por entregar a Bula papal de
excomunhão, na Igreja de Santa Sophia ao patriarca Miguel Cerulário.
O ato do Cardeal foi entendido como extensivo a
toda a Igreja Bizantina, que por sua vez reagiu excomungando o papa Leão IX.
Configurava-se o Cisma do Oriente, também chamado de O Grande Cisma do Oriente,
que daria origem à Igreja Ortodoxa, no Oriente, e a Igreja Católica Apostólica
Romana, no Ocidente.
Tentativas de reunificação
Várias foram as tentativas de reunificar a Igreja,
dentre as quais cabe destacar os Concílios Ecumênicos de Lyon em 1274 e de
Florença em 1439. Por alguns momentos as duas Igrejas estiveram reunidas
novamente, mas sempre por muito pouco tempo. A separação fez com que a cidade
de Constantinopla fosse tomada pelos otomanos em 1453 resultando na dominação
do Império Bizantino por muito tempo.
Somente no dia 7 de dezembro de 1965 que o papa
Paulo VI e o patriarca Atenágoras I tentaram aproximar as duas Igrejas
novamente levantando a questão das excomunhões, que por sua vez foram retiradas
no ano seguinte por ambas as Igrejas. As duas partes retomaram os diálogos tentando de alguma forma sanar o
Cisma.
Na prática os ortodoxos seguem sacramentos típicos da Igreja Ocidental,
mas não acreditam na existência do purgatório ou na infalibilidade do papa.
Trata-se de uma outra corrente religiosa dentro do cristianismo e dentro do
próprio catolicismo,
Como consequência disto, os cristãos orientais deixaram de reconhecer o
poder papal em 1054, e fundaram a Igreja católica Ortodoxa.
[1] Não é certo quando e onde este
acréscimo foi feito primeiro, mas parece que se originou na Espanha, como uma
defesa contra o arianismo. De qualquer modo a igreja espanhola inseriu o
filioqüe no credo no terceiro Concílio de Toledo (589), se não antes. Da
Espanha o filioqüe espalhou-se para a França, e dai para a Alemanha, onde foi
bem recebido por Carlos Magno e adotado pelo concílio semi-iconoclasta de
Frankfurth (794). Teriam sido escritores na corte de Carlos Magno que primeiro
fizeram com que o filioqüe passasse a ser um assunto controvertido, acusando os
bizantinos de heréticos por recitarem o credo em sua forma original. Mas Roma,
com seu conservadorismo típico, continuou a usar o credo sem o filioqüe até o
começo do século XI. Em 808 o Papa Leão III escreve numa carta para Carlos
Magno, que embora ele mesmo achasse que o filioqüe procedia em termos
doutrinais, ele considerava errado interferir nos termos do credo.
Deliberadamente mandou inscrever o credo em placas de prata - sem o filioqüe -
e as colocou na igreja de São Pedro. Até segunda ordem, Roma agiria como
mediadora entre a Alemanha e Bizâncio.
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